Eu fazia um curso de desenho artístico quando era adolescente. As aulas eram para aprender a desenhar, mas acabavam funcionando como uma grande terapia. Eu era bem ansioso e já queria que o desenho nascesse pronto. Mas as coisas têm etapas. Um traço dificilmente nasce perfeito — “Desenhar é uma busca”, dizia a professora.

Também é uma análise. Frequentemente, fazíamos desenho de observação, os alunos sentados ao redor de um objeto, olhando a peça e passando para o papel. No final, cada um tinha um desenho muito específico, feito a partir do seu próprio ponto de vista.

Certo dia, desenhávamos uma chaleira. Alça, bico, tampa, sabemos como uma chaleira é. Mas o desenho não dava certo, não era o que eu estava vendo ali. Chamei a professora.

“Você enxerga isso tudo?”, perguntou. Inquisitiva, não? Continuou: “No desenho, você precisa se habituar a desenhar o que você enxerga, não como você sabe como as coisas são. Ou como você acha que sabe como as coisas são.”

Muitos detalhes da chaleira ficaram de fora do meu desenho. E finalmente o papel mostrava o que eu realmente enxergava na vida real.

Lembrei de uma situação de uns anos antes. Em “Os Simpsons”, à noite, o céu é sempre pintado de roxo, e não de azul. Já reparou? Eu achava engraçado. O céu roxo… Então, quando comecei a desenhar por conta, antes de fazer o tal curso, usava os lápis de cor para tentar chegar ao que eu via. E o céu à noite… era roxo. Às vezes um cinza bem avermelhado — sim, um céu vermelho. No fim, a cor que eu menos usava para fazer o céu noturno era o azul-escuro.

Uma prima, certa vez, debochou. “Céu vermelho… onde já se viu.” Céus! Onde já se viu? No próprio céu, ora. É só olhar para cima numa noite mais poluída. Um vermelho escuro, cinzento, meio marrom. Seja o que for: aquilo não é azul.

Lendo sobre as cores e como elas foram nomeadas ao longo do tempo, descobri que em algumas tribos, simplesmente não existe uma palavra para a cor azul. De tanto ver a imensidão do céu (durante o dia, que, aí sim, é indubitavelmente azul), as pessoas não tinham noção de que aquilo era algo com cor, uma cor que existe, e não apenas o início da infinidade do resto do universo.

O que se enxerga versus o que se sabe do mundo. A conta às vezes não bate. E quer saber por quê? Temos conceitos demais sobre tudo. E muitas vezes, esses conceitos são ideias pré-estabelecidas gerações antes de nós, assumidas como verdade por milhões de pessoas e passadas adiante sem questionamento. A realidade dessas pessoas passa a ser esse filtro através do qual elas vivenciam o mundo, e não o mundo que elas enxergam de fato. Percebe a diferença?

Esquecer de certas verdades absolutas fez com que eu desenhasse uma chaleira perfeita — ela não era perfeita por ser a chaleira mais maravilhosa da vida; era perfeita por ser minha própria visão dela, sem o intermédio de conceitos pré-estabelecidos. Também me fez notar que o céu noturno tem muitas outras cores — o meu céu perfeito: a minha própria experiência com o infinito.

Assim como o azul que não existe em certas tribos, nem todo o conhecimento precisa ser nomeado, medido, classificado, catalogado.

Algumas verdades nem de palavras precisam.